segunda-feira, 23 de maio de 2011

O protesto


Logo cedo começou aquela movimentação de pessoas na rua, bem em frente ao banco.
Várias pessoas de ambos os sexos iam se juntando. Carros de som e o pessoal da CUT traziam faixas, apitos e panelas.
Os repórteres se posicionaram para divulgar a manifestação dos bancários em busca da garantia dos empregos e dos benefícios.
E assim deu início ao que seria mais um protesto:
“Estamos em greve! Bancários em greve!”
“Queremos aumento real! Queremos benefícios! Mais segurança e menos assedio moral!”
“Estamos em greve! Bancários em greve!”
Tudo corria nos conformes do protesto até que do outro lado da rua, vem o balde de água fria:
- Eu quero dormir porra! Vão gritar, apitar, bater panela lá na casa do caralho!
- Vão acordar a mãe de vocês seus bostas!
Era inacreditável, mas, todos os vermelhinhos estavam inertes, em silêncio ouvindo aquele senhor brigando com eles:
- Porra! Me fodi a madrugada toda e quando deito pra dormir, vem um bando de filha da puta fazer barulho bem aqui!
- Tão reclamando de que? Vocês não já têm seus empregos? Vão trabalhar então seus merdas! Me deixa descansar em paz! Que porra!
- Daqui a pouco terei que levantar pra começar minha batalha de novo e não fico como vocês vagabundos protestando por algo que já tem!
- Vou voltar a dormir e se eu for incomodado novamente, o bagulho vai ficar embaçado!
Não se ouvia um pio se quer. Como aquele senhor conseguiu essa façanha?
Um dos repórteres que ali fazia a cobertura da greve puxou o câmeraman e pediu que filmasse tudo. E foi justamente essa cena que percorreu todos os noticiários do dia:
O senhor depois de ter dito suas últimas palavras, dirigiu-se em direção a porta da casa. Se abaixou, arrumou os papelões no chão, abriu algumas páginas de um jornal, deitou e se cobriu com a notícia...
Fazia frio naquela manhã.

sábado, 21 de maio de 2011

A benção - Cotidiano

Certo dia, peguei um ônibus no terminal para ir trabalhar.
Como de costume o ônibus veio com gente até no teto, mas, isso é normal hoje em dia.
De parada em parada o ônibus deu uma aliviada no excesso de carga e consegui um lugar lá no fundo, bem ao lado dessa senhora, que começou sua pregação bem na hora que me sentei.
Bem em frente dela, em pé, tinha um rapaz, com seus 30 e poucos anos.
Ela começou a falar para ele:
- Moço! O senhor sabe que Jesus tem uma missão na tua vida?
- Moço! To falando com você!
Ele permanecia calado e nem se quer virou o rosto para olhar para ela.
- Jesus te ama! Ele quer ajudar você a sair dessa vida.
- Você não merece isso.
Enquanto ela falava todos do ônibus observavam aquela cena constrangedora.
- Moço, Jesus vai te ajudar a se livrar do álcool e das drogas.
- Ele te ama você sabia?
Ela falava e apontava para a roupa do rapaz que estavam amassadas e comentava com outra senhora ao lado dela:
- Ele vive assim. Todo dia que vai trabalhar sai assim todo amassado.
- Moço, Jesus me colocou aqui novamente, no mesmo ônibus que o senhor, pra te dizer que ele te ama.
E assim foi a viagem toda até a hora que ela desceu.
O rapaz continuou lá totalmente sem graça. Talvez tenha sido a piada do dia. Imaginem que cena.
Pois bem, hoje pela manhã, Deus falou comigo.
Acordei atrasado e corri para outro ponto de ônibus, onde tenho mais opões para tentar chegar no horário do serviço.
Estava com o fone no ouvido e andando apressado, mas, uma senhora bem humilde, sentada numa cadeira na porta de casa, disse algo que acabei não ouvindo.
Não sei por que esqueci que estava atrasado, parei, tirei os fones do ouvido e perguntei:
- O que foi senhora?
- Que Deus te abençoe meu filho e te ilumine.
- Obrigado! Amém! (Rindo)
Não sei por que, mas, naquele instante me senti tão leve e fui andando, nem sei se as pressas, mas, com aquela vibração boa na alma e sorrindo o caminho todo até o ponto.
Dizem que Deus usa pessoas desconhecidas para abençoar seus filhos, mas, sem constrangimentos e sim fazendo surgir um belo sentimento.
Acho que dessa forma encontramos a verdadeira paz e luz interior.

O preço

Eis que ele volta do seu horário de almoço e na entrada do escritório, dá de cara com seu chefe, sua nora e seu respectivo marido.
- Boa tarde!
- Boa tarde³!
- Rodrigo, deixa eu te apresentar meu filho Marcelo. Marcelo esse é o Rodrigo, meu grande funcionário.
- Prazer Rodrigo. Meu pai fala muito bem de você.
- É mesmo? Que bom então! (riso)
- E essa aqui é a minha nora querida, mulher do Marcelo, a Letícia.
- Olá! Tudo bem?
- Tudo bem! Prazer Letícia. Bom pessoal, se me dão licença, tenho que ir, pois, tenho muito serviço pela frente. Prazer em conhecê-los.
- A vontade Rodrigo. Vai lá.
Era notável que naqueles poucos minutos de apresentação, desde a entrada até sua ida, que os olhos da Letícia não pararam de observar o Rodrigo, com aquele semblante de surpresa.
Rodrigo sentou em frente ao computador e não fez nenhum relatório. Aliás, não fez nada a não ser indagar-se:
“To ferrado! Se essa maluca inventa de aprontar alguma coisa aqui no escritório?”
“Não vou sair por nada da minha sala. Tomara que o Dr. Marcos não me chame pra nada hoje.”
O tempo vai passando e Letícia não suporta mais sua inquietação:
- Vamos amor! Vem me mostrar a empresa do teu pai.
- Ah não Le! Conheço isso aqui tudo. Qual a graça se já sabemos que todos aqui fazem o mesmo. Apresentar projetos para adquirir novos sócios para empresa de seguros?
- Calma Marcelo! Faz assim minha norinha. Vai até a recepção e pede para a Diana lhe mostrar tudo tá bom?
- Tá ótimo sogrinho! (risos)
- Vou lá então. Volto já!
E a Diana pacientemente vai lhe mostrando os setores, as funções desempenhadas por cada um, até o momento que o telefone da recepção toca:
- Senhorita Letícia, volto em alguns minutos, tenho que atender o telefone, tudo bem?
- Tudo bem Diana. Vou dando uma olhada sozinha por enquanto.
- Ok! Fique a vontade.
Letícia dirigi-se a sala quatro e bate na porta:
- Pode entrar.
- Olá! Te achei!
- Tu é louca! Como tem a cara de pau de vir até aqui?
- Queria roubar um beijo seu.
- O que?! Tá maluca mesmo. Sai daqui logo Letícia!
- Agora você quer que eu vá, mas, quando saímos você não queria mais que eu fosse embora.
- Mas, não sabia que tu era casada com o filho do meu chefe né?
- Que comparação idiota Rodrigo! Você sabia que eu era casada e quis ficar comigo assim mesmo e agora tá com medo da situação?
- Letícia! Outra hora conversamos, não aqui.
- Deveria ter medo desde o momento que te disse que eu era casada, mas, não teve. Me seduziu, conseguiu o que queria e agora quer fugir. Assuma as conseqüências Rodrigo.
- Vamos fazer o seguinte, eu te ligo ainda hoje e conversamos em um lugar mais reservado, pode ser?
- Num motel, por exemplo, né? É isso que dá cair em conversas de homens como você. Mexe com a gente e foge como se nada tivesse acontecido.
- Tu tá viajando Letícia, apenas ficamos, foi só uma transa, nada mais.
- Nada mais o cacete Rodrigo. Agora eu quero você e você vai assumir as conseqüências.
- Fala o que tu quer Letícia, mas, não me causa problemas no meu emprego, por favor!
- O que eu quero? Quero que pague o preço. Vai lá na sala do Marcos e fala na frente dele e do Marcelo que está apaixonado por mim.
- O que?! Pirou?!
- Não! Não pirei! Quero ver se você sabe seduzir eles também.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Incondicionalmente

Eis que chega 2012. Primeiro dia.
Alguns nem se quer saíram de casa, já que a virada de ano aconteceu em meio a uma tempestade absurda.
Até granizo choveu. Era realmente o ano do fim.
O céu estava vermelho e o sol coberto por uma sombra negra, um eclipse tímido por assim dizer.
Janeiro foi o mês das chuvas, dos temporais. Era incrível ver o sertão em frenesi , com ondas perfeitas para dropar. Que pena que a alegria só vem no fim.
Neve por todo nordeste e um sol de 40° no sul.
Grupos de cientistas tentavam de alguma forma dar uma tese ou resposta que acalmasse a população.
O jornalismo continuava do mesmo jeito, ajudando a desinformar.
Novas religiões nasciam de hora em hora. Eram tantos Deuses que até Roberto Carlos virou santo e era pastor da igreja “Existem mil garotas querendo passear comigo”.
Realmente o mundo estava se despedindo de nós. Talvez tenha cansado de tanta cagada que fizemos a ele.
As pessoas pararam de “twitar” e declamavam suas frases nas ruas. Eram os loucos de agora:
“Ficar trancado no quarto não vai resolver os problemas.”
A internet era usada apenas para buscar uma resposta e nada mais. Cidades fantasmas como Orkut, Facebook, Badoo, entre outras. Não se via mais ninguém on line.
Terremotos diariamente. Tsunamis toda noite e sempre na tardinha um tornado dançava nos últimos raios de sol.
Dessa vez os seres humanos passaram a notar as coisas da natureza. Também não tinha como não notar. Eram tigres, girafas, leões e às vezes até baleias passavam pela avenida.
Orações, lágrimas, abraços, desculpas, perdões, morte, assaltos, suicídios.
Multidões fugindo para algum lugar que não existia mais. E o mais engraçado que no meio disso tudo, eu continuava ali parado ainda. Simplesmente, incondicionalmente pensando naquela menina linda.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Homens de H

23:36hs, toca o celular da Priscila.
- Alô!
- Oi Pri! Tu não acredita o que aconteceu?
- Primeiro me fala onde tu tava que não atendia o celular Manu!
- Vou contar tudinho amiga. Lembra aquele rapaz que fiquei na festa da Carol?
- E como iria esquecer Manuela! Vocês não se desgrudaram nenhum minuto.
- (risos) Boba! Então, acabei de chegar da casa dele. Passei o final de semana lá.
- Como assim tua louca??!!
- Lembra que na sexta tinha aquele evento que eu tava produzindo?
- Sim! E aí como foi mesmo o evento?
- Então Pri, não sei como foi. (risos) O Felipe me seqüestrou de lá.
- Como assim te seqüestrou mina?
- O Carlos é amigo dele, e desde o dia que ficamos o Felipe pediu para o Carlos ajudar porque ele queria me fazer uma surpresa, então, o Carlos ficou no meu lugar cuidando do evento e eu fui raptada pelo Felipe.
- Ai Pri! Não acredito que ele fez isso até agora! Ele é tudo! To apaixonada amiga!
- Ah pára Manuela, só porque passaram um final de semana juntos vai começar a falar merda.
- Você não faz idéia de como ele é Pri. Você terá o prazer de conhecê-lo melhor e vai se encantar também.
- To querendo fazer uma surpresa igual pra ele.
- Pára de viajar Manu. Deixa as coisas seguirem por si só. Deixa ele se mostrar pra tu.
- Ele já mostrou tudo que eu precisava ver amiga!
- Tá bom Manuela, mas, vai devagar porque o tombo pode ser pior.
- Ai Pri, deixa de pensar negativo.
- Não é isso Manu. Já me enganei demais com os homens, agora vou bem devagar e por falar em devagar, vamos dormir porque amanhã teremos muita novidade no escritório.
- Vê se dorme apaixonada e vem sem sonhos trabalhar tá bom?
- Tá bom amiga! Você e seu balde de água fria. Só de pensar que amanhã é segunda... Aff!
- Boa noite!
- Boa! Beijos!
Um mês depois e dois dias depois da tentativa de surpresa da Manuela para o Felipe.
- Bom dia Manuela! Que cara é essa mina?
- Você estava certa Pri! A surpresa foi uma droga.
- Como assim Manu? O que houve?
- Acertei com o Carlos pra me informar onde o Felipe estaria no sábado e ele me disse que ele ia para um bar próximo a sua casa.
- Fui lá e quando convidei o Felipe para passar o final de semana comigo, ele me tratou friamente. Disse que não era um qualquer que pode sumir assim e passar o dia todo com alguém.
- Como ele pode dizer isso? Nem se quer conversou comigo, me olhou nos olhos, abraçou, me beijou. Eu posso ser uma qualquer?!
- Calma Manu!
- Calma o cacete! Homem não presta mesmo!

Amor

Simples como uma nuvem que vaga
Numa vasta imensidão azul
Que nos leva para um só pensar
Emociona rápido e devagar
Marca com qualquer canção
Basta tocar
Nessa leveza de sutilezas, vivo para estar
Do que importa as horas, o tempo
Se perdemos a noção
O coração quem rege e guia
Nesse mar sem chão
Navegar sem medo é a melhor opção
Feche teus olhos, se deixe sentir
Você vai se impressionar
É o mais perto de Deus
Então, aprenda a amar

sábado, 14 de maio de 2011

Para sempre

Vivia absolutamente em seu mundo de objetos achados, abandonados, desprezados.
Cultivava assim fragmentos de um passado de um ser qualquer, qualquer ser, alguém que se foi.
Sem ninguém para visitá-lo, para conhecer sua morada, sua modesta casa na esquina da encruzilhada. Casa de telhas velhas, de paredes desbotadas. Uma casa antiga, repleta de antiguidades.
Era o ser louco, o mendigo com morada. O motivo das piadas do boteco próximo ao lar:
“Lá vem o doido com sua sacola cheia de nada!”
Centenas de milhares de seres hipócritas passavam o dia no tribunal de rua, julgando e menosprezando o senhor simples, barba branca humilde, olhar sem ambições, um sorriso de ouro e de sentimentos atemporal por coisas descartadas.
Domingo de sol, boteco lotado, início de uma semana regada por dois feriados. Cerveja gelada, futebol na TV e o senhor de barba branca humilde, resolve falecer no meio da encruzilhada, apontando para porta de casa.
Como se nada fosse tão importante, para desobstruir o trânsito, tiraram o entulho e levaram para sua morada.
Um choque de sutileza e lembranças de um esquecido passado surpreende os carregadores do corpo.
A casa antiga, de paredes desbotadas, cultivava em sua sala um jardim de recordações, boas e ruins de cada ser daquele bairro.
O guarda-roupa de uma mãe que se fora, fotos do irmão que mora distante e não se vê há anos, os ursinhos da filha assassinada, bilhete e jóias da ex-mulher que o trocará.
Coisas insignificantes jogadas fora para esquecer ou fazer desaparecer o passado e as lembranças que nos machucam.
Como se fosse algo tão simples assim, deletar o passado.
Esse velho ressuscita a alguns anos dentro de cada um de nós.
Com uma bela criança no colo, que com uma simples pergunta traz junto uma sacola repleta de objetos e uma sala com um jardim de recordações, boas ou ruins.
“Vô! Como o senhor conheceu a vovó?”

domingo, 8 de maio de 2011

Meu tio

Sentiu-se leve com toda sua pureza e inocência
Já não lhe valia o sol escaldante, o dia chato de trabalho
Agora era um sábado enraizado de belezas
Florido como teu vestido e veloz como a disposição da infância
Estar em casa sendo vigiado por um anjo
Sendo acolhido e totalmente repleto de cuidados e atenção
Era o início de um grandioso dia, mesmo sendo tarde
Companheira na hora difícil e falante na hora do almoço
Tirando dúvidas sobre palavras e engraçada com sua idade
Ao sair, te viu brincando como se deve
Depois ficou pensando no reencontro
Querendo voltar para sua casa
Para ser recebido com um abraço e beijo suados
Por você pequena grande sobrinha
Simplesmente o anjo do dia

sábado, 7 de maio de 2011

The end

O bater da porta ecoou por todo canto da sala
Aquele vento frio da noite pairou sobre o amplo espaço de silêncio
Cansado dos tribunais conjugais, faltou-lhe paciência
As palavras vinham de um depósito de lixo e bombardeavam-na
Ela que agora se recolhe e se espreme no canto do armário, como alguém que foge do ar
Em seus olhos minavam águas salgadas que lhe afogavam e a faziam soluçar
Enquanto nos espaços livres da liberdade, o ser homem, caminhava com o corpo ainda trêmulo de raiva e com o pensamento meio que se evaporando:
- Como pude dizer tudo aquilo?
A natureza humana é foda!
De dia apenas os rastros dos seus passos na lama
Ela na porta observava seu futuro solitário
Ele babava como um porco numa cama de um hotel qualquer
Num sono embriagado, planejado para fugir da realidade
Mas, teus sapatos imundos não o deixariam fugir do fato
Éramos dois

Apreço abstrato - A poesia

Eis que ela surge na calada da noite
E me examina como uma máquina de scanner
Brutalmente exclama realidades e destrói meus cantos
Em pedaços de carne, ossos e sangue, ela me refaz
Acelera minhas partículas, meus pensamentos
Sem mudar meu DNA de sentimentos
Me faz círculo de homem maduro
Com o mesmo amor do infinito
Um grito me faz despertar
De olhos abertos, sinto o suor do meu corpo
Nasci de novo para tua adoração
Em teus lábios as palavras de interrogação
Mas, jamais o verbo que define o fato
Pois, tua boca quer o beijo
Tua fome é de mim
E o amor que sentes é por alguém que morre e renasce por ti

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Feeling

Parar por um segundo e se olhar
Se ver por dentro
Em sangue, em nervos e músculos
Pensamentos intensos e sentimentos profundos
Batimentos
O pulsar do nosso alimento
Viver o segundo
A noite, o dia
Chorar pelas perdas e conquistas
As lágrimas
O horizonte em nossa face
A tristeza retida e a alegria solúvel
O passeio dos dedos em nosso corpo
O carinho da caricia do amor
E a saudade de tudo que passou
Acordar e estar vivo
Vivendo mesmo que perdido
Sem você, sem ninguém
Pensar durante o banho
E contemplar toda a beleza do dia azul
Do dia de chuva, combinando com sua melancolia
Viver é algo extraordinário
Por suas misturas de afago e dor
Agradeça ao abrir teus olhos
Pois, fechados só sentirá o viver ouvindo música

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O Neguinho - Cotidiano

Liguei para o patrão:
- Finalizei! Posso ir embora daqui mesmo?
- Pode ir sim Thiago! Até amanhã!
- Até!
Lá se vai eu pela Avenida Pedro Paes de Azevedo. Na cabeça os pensamentos e as lembranças do passado.
“Puta que pariu! Essa é a verdadeira máquina do tempo!”
Estava eu cortando caminho pelas quadras para justamente sair em frente a TV Cidade.
Isso aqui conheço bem.
O cheiro, as casas, o trânsito, a noite, o bar e o “Neguinho”.
De volta a avenida, sentado em umas das mesas do bar do “ignorante”, que reclamava se você comprasse uma coca-cola em lata e pedisse dois copos descartáveis:
- Dois copos para uma coca em lata? Coca em lata é só pra uma pessoa!
Insuportável esse rapaz! (risos)
Pois, bem. Eis que o Neguinho me reconhece e sorri sem seus dentes:
- Diga aí meu camarada! (Sorrisão na face)
- Fala Neguinho, beleza? (Sorriso na face)
- Beleza meu brother! (Aperto de mão caloroso)
- Tava sumido... Seu amigo ta aqui.
- Tá mais não pô! Ele já voltou para São Paulo.
- Você falou com ele foi?
- Falei! Assim que cheguei conversei com ele. Ele tinha viajado uma semana antes.
- E você tava aonde?
- Tava morando em Santos, voltei tem um mês.
- Rapaz, seu amigo teve aqui nesse bar, sentou bem ali naquela mesa ali.
- Me chamou pra beber, mas, eu tava sem beber. Sabe como é né! Bebi na semana anterior direto, aí tinha que parar por um tempo.
- Sei como é. Descansar o fígado pra beber mais depois. (Risos)
- É! Se quiser tem aqui ó! (Puxou debaixo da mesa uma garrafa de cerveja de 2 litros)
- Quero não Jow! Fica pra próxima. Agora to indo pra casa, outro dia passo aqui com calma e a gente toma umas brejas.
- Beleza então!
- Falou Neguinho, vou nessa. To longe de casa ainda.
- Falou meu camarada. Apareça mesmo!
- Pode deixar!
Que viagem! Reencontrar o Neguinho foi como voltar para 2007. A Tecla Informática (loja que trabalhava) só tinha vida quando ele colava lá com suas histórias repetidas:
“Rapaz quase que ganho no jogo do bicho hoje!”
“E não ganhou porque Neguinho?”
“Porque deu o número ao contrário! Eu joguei 4532 e deu 2354!”
(Risos)
Todo dia era a mesma conversa. Era hilário! Lembrando que ele só é o Neguinho para os íntimos (íntimos na verdade sou eu e o meu amigo Ivan Costa). Ele gosta de ser chamado de Cabeça.
Então segui meu caminho até o ponto de ônibus, lá na Francisco Porto.
Já no ponto, passa por mim uma mina de Estância (uma das cidades que morei), cujo nome não me recordo. Só recordo de como ela era bossal e arrogante. Mas, confesso que não espera aquilo:
- Olá! (Sorriso e sobrancelhas para cima) Tudo bem?
- Oi! Tudo bem! (cara de surpreso)
E ela seguiu e eu segui.
Uma pessoa que viveu tão perto de mim durante cinco anos, pois, tínhamos um amigo em comum e ela nunca fez questão de se aproximar de ninguém, pois, estava num patamar elevado para nós meros mortais. Depois de alguns anos sem nos vermos, ela me cumprimenta. Será que foi pelo fato de saber que eu estava morando em outro estado e agora sou considerado em outro patamar? Ou será que simplesmente ela mudou de pensamento?
Também não me interessa, prefiro todos os dias cumprimentar o Neguinho que só me conheceu em um ano e fala comigo como se fosse seu amigo de datas. E o melhor:
Nunca me julgou em nada. Me aceitou como sou.

terça-feira, 3 de maio de 2011

E eu que pensei que fosse um lobo

E eu que pensei que fosse um lobo
Por ter nascido naquela atmosfera excluída
Que sempre busca, mas, nunca tem uma chance
Nasci num lugar onde somos classificados
Nasci na classe dos preconceitos
Principalmente eu, que sou negro
Por andar nas ruas do abandono
De esgoto a céu aberto
Nas calçadas da lama
Dos nossos pais
Nosso espelho de ensino fundamental
Das meninas sem vergonha
Dos meninos de boca suja
Dos descalços
Cresci descrente
Vivi carente
Sobrevivi chacinas, as colas, as pedras e cocaínas
E nessa esquina onde peço esmolas
O desdém é o que mais me assola
E aumenta minha dor e um sentimento ruim
A raiva pensei que fosse do animal dentro de mim
Mas, o uivar do meu lobo tinha outro nome
Era apenas meu estômago soletrando a palavra fome