segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Amanhecendo



Acabo de despertar de um sonho
Daqueles de acelerar o coração
Ela desperta pelo meu súbito susto:
- Estava roncando?
Então respondo a simplicidade dela:
- Não. Eu que estava sonhando.
E ela feito uma gata rosnando nos pés do dono
Pedindo carinho diz:
- Estou sonhando com você.
Enquanto me abraça e repousa a cabeça em meu peito
Me perco no meu próprio sorriso
Olhando aqueles cabelos lisos
E antes de me levantar pra escrever isso
Vejo pela janela um céu azul meio cinza  
Com ela me perguntando:
- Isso é um sonho?
E eu respondi, olhando nos olhos daquela inocência:
- Com toda certeza! 


A escolha


O casal desconhecido se conheceu numa sexta-feira qualquer.
Num bar. Sem um se quer por que.
Ali surgiram cinco anos e nove meses de relacionamento diário.
O casal perfeito.
Ele com vinte, ela com dezenove.
Alugaram um pequeno AP.
Puseram flores onde deveriam ser lençóis.
Compravam móveis usados, ouvindo o som do The Doors.
E tinham um mural de fotos chamado “Nós2”.
Uma sequência de fotos de felicidade dos dois.
Com descobertas, alguns erros e evoluções.
Compraram a casa própria.
Criaram um cachorro que ela pôs o nome de “Filho de Dois”.
Que todas as madames amavam, só por conta do francês da Adriana:
“Fils de deux”.
Ele tocava violão e ela cantava.
O casal perfeito se corrompeu.
Cansaram dos “dois”.
Rolou uma separação. Uma despedida num dia de chuva.
Entre sexo, lágrimas e rock and roll.
Eles sabiam que só tinham uma chance, pois nada que volta, retorna igual a antes.
Cada um escolheu um rumo diferente na avenida
Passaram os dias mórbidos da lida...
Tentando achar outro ser parecido na vida. 


domingo, 30 de dezembro de 2012

Senhorita B.


"Quem sabe, cala. Quem fala, não sabe. O sábio vive calado, voltado para dentro de si. Mitiga o que é agudo, deslinda o que é emaranhado, suaviza o que é violento, nivela-se com o que é singelo. Assim conscientiza ele a realidade. Unifica-se com o grande Uno. Mantém-se equidistante de simpatia e antipatia, indiferente a lucro e perda. Acima de louvor e vitupério. É nisto que ele vê a verdadeira nobreza."
E foi assim, recitando o filosofo e alquimista chinês, Lao-Tsé que a mocinha me levou para outro mundo diante dos teus lindos olhos.
E antes de ver aquele belo sorriso se desfazer, tasquei um beijo para permancer...
Em silêncio.


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Eu pensei que era a morte


E tudo começou com o fogo
Agora o homem saía depois que o sol dormia
Exploravam durante o escuro da noite
Usavam a energia do fogo
Pra aquecer, pra iluminar e cozinhar todo alimento

Diante da fogueira...
Vejo o balançar das nossas sombras na parede
Refletidas pelo vento no fogo
Queremos ser como as imagens
Bem maiores... (e nos perdemos de nós)
Tudo evoluiu... (e esquecemos nossos semelhantes)

Cada um por si
Virou nosso lema
E esquecemos quem foi que jogou o tal asteróide do céu
Que caiu numa árvore e o fogo expandiu
O homem primata viu, utilizou e evoluiu.

Mas foi um cometa que caiu?
Ou seria uma estrela cadente?
Talvez fosse um raio, um E.T simplesmente
Ou uma prova de Deus.


365 dias


E lá vamos nós
Sorrir, sofrer
Acertar, errar
Escolher, rejeitar
Festejar, chorar
Aprender, ignorar
Fingir, falar
Levantar, cair
Morrer, viver...
Enfim. 

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Psicodelia


A internet tem cor de fantasia.

A menina que tinha um banheiro


Desde o dia da notícia, que ela espalhou o boato na escola
Eram dúvidas entre a verdade e a mentira
Os dias iam passando e a sua história se propagava
Todos do bairro já sabiam da novidade
Um mutirão se organizava na sala de aula
Tudo em sigilo
Sem contato com os hipócritas
Foi assim que no dia primeiro
A fila deu voltas no quarteirão próximo a sua casa
Letícia chamou um por um na avenida
Convidou todos seus amiguinhos de rua
Para tomarem o segundo banho da vida.


Revolução

Eu não sigo a moda, nem o seu padrão
Eu me visto no dia-a-dia
De acordo com a minha evolução.

Jornal


Extra! Extra!
Olha só que terça-feira estranha!
Com cara de domingo.
Mas tem muitos que são tão cegos,
Que não percebem que tudo isso é programação.
Não existem horas.
Não existem dias ditos.
O momento é sempre o agora.
Na hora que você decide sair do ar,
Deixar a fantasia ilusória
A cédula que nos ofuscam,
E nos dividem em pobres e ricos.

No dia de Natal


Ontem o planeta deu um giro
Mais rápido que um cometa
A lua surgiu às quatro da tarde
Acompanhada de uma solitária estrela
Numa tela de nuvens cinza
E um céu azul, todo baunilha
Eu contemplava sua beleza
Notando a sua pressa
Depois da ceia da madrugada
Umas três horas e algumas sentinelas
A lua da cor de ouro sumia do outro lado
Em cinco minutos que amanhecia. 

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

End


O fim do mundo começou quando abri os olhos para a realidade. Quando vi seu Alfredo na calçada pedindo esmola, depois de uma vida regada de trabalho para dar alimentação, um teto e educação para os seus doze filhos que o abandonaram.
O fim do mundo começou quando uma moça subiu no ônibus com sua filhinha recém-nascida e ninguém se moveu para ceder um lugar para ela sentar-se.
Começou quando percebi que todos não notavam as árvores solitárias nas cidades. Não ouviam o canto dos pássaros, não sorriam para os filhotes que brincavam no parque.
Começou quando tudo era pressa, quando os rostos se fecharam na amargura do estresse. Com o abuso do poder, com o crescimento do desvalorizar o semelhante, por ter outro tipo de pele, por morar no bairro que foi imposto a ser pobre.
O fim do mundo começou quando vi dona Maria, uma cega, no semáforo com seu filho de 26 anos, com uma saúde extraordinária, mas ao invés de trabalhar, usava a deficiência da mãe para arrecadar uns trocados.
Começou quando vi amigos de infância aprisionados a um vício podre. Roubando senhores que lutaram por anos para conseguirem suas coisas e perdiam assim como um piscar de olhos.
O fim começou quando vi um rapaz matando um adolescente porque ele não tinha um celular, um relógio ou um trocado para ser roubado.
Começou quando vi as mulheres abrindo as pernas em busca de um casamento que só existia em função da grana e não do amor.
Quando vi milhares de crianças abortadas ou abandonadas nas ruas por conta do sexo sem compromisso e sem cuidado.
Começou quando vi as pessoas lindas por fora e macabras por dentro. Com maus pensamentos e desejos de crescimento em desunião.
O fim do mundo começou há tanto tempo, que nem sei por que tememos o dia 21. Será apenas o fim dessa vida falsa e repleta de ilusões.  


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Libertas Quæ Sera Tamen


Não existem prisões para o bem
A vida não nos aprisiona
Você sorri quando quer
Quando sente
Você chora
Você fala a qualquer hora
Respira esse ar
Ver o lugar
Pode caminhar
E trilhar o caminho feliz
Somos livres
E é hora de nascermos para a verdade
Para a realidade sermos nós
Um velho segredo.

Des(h)umana


A cidade cresce até uma certa idade
Ela envelhece e morre por nós
Pela nossa devastação compulsiva
Nosso amor e excitação por descobertas
Destruindo mentes simples
Ludibriando com seres modernos
Engravidamos
Superlotamos
Nos superamos
Dia vinte e um de dezembro de 2012
Uma profecia sugeriu uma limpeza nas estrelas porcas
Uma lavagem com uma forte ducha
Devastando nossas úmidas descobertas
Refazendo o simples novamente
Sementes modernas
Plantamos
Cultivamos
Refloresceremos
21 – 12 – 2012
Um novo fruto de povos surgirá.


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Um colar para Silvia


E mais uma vez o André notou Silvia silenciosa ao sair do motel “Endless Night”.
Ela não se vestia mais de humor. Não carregava mais a sua fúria quando ia para a cama. A chama havia sumido após cinco anos juntos.
André já sentia sua amada distante há alguns dias. E a distância imposta por ela, o fez afastar-se também.
Chegando em casa Silvia seguiu sem uma palavra para o banheiro.
André dirigiu-se a cozinha e abriu uma latinha de cerveja e disse pra si mesmo:
“Foi à última vez.”
Enquanto ela se banhava, ele terminou a cerveja e entrou no quarto. Abriu o guarda-roupa, pegou um embrulho de presente e sentou-se na cama esperando por Silvia.
Sozinho, André olhou todos os cantos do quarto lembrando daquele casal tão cheio de vida de cinco anos atrás. Tudo era divertido para os dois. Não existia tristeza, nem silêncio entre eles. Eram o casal perfeito. Mas como uma perfeição se apaga assim?
Silvia sai do banheiro com uma toalha enrolada na cabeça e com o roupão branco que ganhou quando completaram um ano morando juntos.
Ela entrou no quarto sem falar nada e seguiu para o espelho.
Depois de 5 minutos de cremes para a pele mais hidratada e bela que já viu, o André destruiu o silêncio imperador:
- Silvia, senta aqui do meu lado, por favor.
Ela olhou em seus olhos, obedeceu seu pedido e perguntou:
- Aconteceu alguma coisa André?
Ao sentar-se, ele segurou as suas mãos:
- Aconteceu sim. Você mudou e me fez mudar. Não suporto mais essa nossa vida juntos.
Silvia arregalou os olhos surpresa com a afirmação verdadeira do André e meio que sem porque quis entender ou talvez reverter algo sem volta:
- Meu amor! Não vamos falar sobre isso, por favor! Acabamos de voltar do motel, nos divertimos, bebemos, nos amamos e você quer falar de algo que não existe. Ninguém mudou aqui. 
André num suspiro lento, fez questão de fechar de vez aquele caixão onde estava deitado e inerte o amor dos dois:
- Chega Silvia! Cansei de sempre engolir essa sua fantasia de que tudo está maravilhoso. Não está! Onde você viu diversão hoje à noite? Onde você viu amor entre nós hoje? Estamos presos por um fio fino de esperança envelhecida!
Silvia sussurrou quase muda:
- Você não me ama mais?
André sorriu e disse:
- Não tem como não te amar Silvia, mas você sabe que uma relação está morta quando se acabam os sorrisos. E faz tempo que não te vejo feliz em qualquer programa que fazemos. A ausência da tua felicidade me faz triste e me afasta de você. Estou saindo. Vamos viver outras coisas. 
Silvia aos prantos, pois sabia que não havia mais salvação para aquele amor petrificado, perguntou:
- Você vai me abandonar? Não vai dormir ao meu lado hoje?
André entregou o embrulho para ela e respondeu sua pergunta:
- Vou Silvia. Não vamos estender mais isso. Deixe esse amor descansar em paz e que nossas cabeças possam refletir distantes de nós, sem ter a interferência da carência e do costume da convivência. 
Ela abriu o presente e sorriu ao ver que era um colar de ouro com um pingente com a letra “S”:
- Que lindo! Minha inicial.                  
André chorou ao ver novamente Silvia sorrindo e beijou pela última vez os lábios da sua amada dizendo:
- Um romance saudável tem a estridência irresistível e espontânea das gargalhadas. O amor só floresce no sorriso. E esse “S” não é a sua inicial. É para que você jamais esqueça que vivemos em busca da felicidade e sem sorrir, jamais a encontraremos.
  


sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Transfiguração



Transparecer querendo ultrapassar
Adiantar o trajeto do trafego
Dos seres trajando ouro
De tração nas quatro
Traição lá fora
Temendo estender as horas
Tremendo de medo da noite
Com o pensamento turbulento
E torcendo para o semáforo abrir
Pra ver se anda esse trânsito lento.

Antes


Antes de você eu vivia feliz
Ou imaginava feliz aquela minha vida
Antes de você eu enxergava tudo sem graça
Hoje tudo parece tão belo
Antes de você eu sentia os aromas
Agora tudo tem o seu cheiro
Antes tudo fazia sentido
Até eu decidir interpretar você
Impregnar meu ser de sentimentos
Num prelúdio sem desfecho
Do seu amor sem tamanho 
Antes de você eu adormecia
Com você eu amanheço em sonhos.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A perda


Eu deixei de ir ali.
Deixei tudo pra lá.
Me joguei no sofá.
O que tinha pra fazer, nem se quer mexi.
Era minha folga, não quis me preocupar.
Continuei no sofá.
Não vi.
Não percebi.
E sem ninguém me falar...
Foi um dia que perdi. 

Refletir


Jamais entenderemos nosso próprio caos.
Pois nossas visões se limitam de imediato, as coisas materiais.
Não nos importamos com a vida de fato.
O que nos importa é a futilidade do "STATUS".
E assim vivemos presos até a nossa morte
Dentro de uma vida que nunca foi a que realmente queríamos.

O cupido


Te vejo solitária e não me conformo
Um ser tão lindo não pode viver só
Tão meiga e encantadora
Delicada com sua voz de nuvem
Brilhante cor de sol
Chega de flechas arremessadas a esmo
Para um qualquer sem o real sentimento
Agora te vejo sorrindo e já me conforto
Um ser tão lindo correndo pra mim
De braços abertos
Com toda gentileza escondida
O amor chegou ao seu lado
E arrumou toda a bagunça
Desse choro sem consolo descontrolado.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O blefe


Uma discussão tola numa mesa onde desconhecidos jogavam pôquer apostado, proporcionou ao Gustavo uma das noites mais alucinantes da sua vida.
Com a cabeça já cheia de álcool, Antônio usou um blefe tão notável quanto saber que um mais um são dois. Gustavo não resistiu e sorriu chamando o Antônio de otário, que de imediato levantou-se virando a mesa, sacando uma pistola calibre 22 da cintura e disparou dois tiros para o alto.
O cassino clandestino entrou em pânico. Eram putas, prostitutas, casados e ricos esmagando-se em direção a saída mais próxima e nesse meio estava o Gustavo, que era o motivo bobo da confusão.
Antônio o perseguia com toda a fúria nos olhos cambaleantes pela bebida. Um senhor de 41 anos de idade, calça escura, casaco xadrez marrom e aquele bigode preto em sua face branca.
Gustavo jamais esquecerá aquele rosto, pois esse foi o rosto da morte naquele dia para ele. Foi esse rosto que o perseguiu por várias quadras, naquela quinta-feira, escura e chuvosa.
Antônio era incansável. Estava possuído pelo desejo de retirar a ofensa com uma bala, até que Gustavo se viu sem caminhos para fugir da morte. Só existiam agora duas opções para ele: morrer ali quieto ou usar a sua sorte de jogador.
Preso numa rua sem saídas Gustavo respirava ofegante e completamente molhado da chuva forte que caía. Fechou os olhos e olhou para o céu negro. Sentiu as gotas fuzilando sua face, abriu os olhos e observou uma delas que explodiu em sua testa lhe trazendo uma idéia.
Antônio se aproximava lentamente sorrindo cada vez mais macabro e totalmente pesado com o peso da água da chuva que molhara seu casaco xadrez marrom.
Já bem próximo de quem o ofendeu, Antônio apontou a pistola na direção do peito, quando o Gustavo alertou colocando uma das mãos por baixo da camisa vermelha e molhada:
- Só não te dei um tiro antes, porque a chuva molhou a minha arma e o tiro sairia pela culatra me alvejando.
Depois de ouvir as palavras do Gustavo, o Antônio parou com a arma em punho pensando:
“Puxo o gatilho ou não? Minha arma também esta molhada. Atiro ou não?”
Nesse intervalo de segundos entre a dúvida e a fúria, Gustavo usou a ação e deu um simples golpe na garganta do Antônio usando a lateral da mão.
Desesperado pela falta de ar, o senhor de 41 anos de idade, deixou cair à arma e sentou-se feito um engasgado no chão molhado.
Gustavo pegou a arma e falou olhando nos olhos bêbados do Antônio:
- A raiva e a ansiedade se não controlada é a brecha que precisamos para usarmos o blefe em todos os jogos, até mesmo o da vida.
E seguiu seu rumo, vivo e molhado.


O reencontro humilhante


Júlio estava sozinho em um bar no centro da cidade, tinha acabado seu expediente e resolveu tomar uma cerveja gelada pra distrair a mente antes de ir para casa, quando de repente a Alice, sua ex-namorada, surge próxima ao balcão:
- Júlio?!
Surpresa e sorridente ela não acredita nesse reencontro após longos quatro anos de separação. Júlio sorri e a cumprimenta:
- Olá Alice! Quanto tempo. Continua muito linda.
Depois do abraço e os beijos no rosto, ela senta-se perto dele e conversam sobre os dias de hoje e suas vidas.
Após algumas cervejas a mais Alice teve a péssima idéia de remexer no passado que estava morto e enterrado:
- Até hoje não me conformo Júlio e não entendo porque você terminou comigo assim sem um real motivo.
Ele adverte:
- Por favor, Alice, não vamos tocar nesse assunto. Isso é passado, já foi. Vivemos pra frente, não pra trás.
Ela insiste:
- Passado pra você ou será que não tem um motivo que possa me esclarecer?
Então Júlio ao perceber que o defunto ainda insistia em se mexer, resolveu de uma vez, por um fim em toda essa história de um amor que já acabou:
- Ta bom Alice. Já que você faz questão de ouvir, vou falar tudo pra você.
E assim Júlio deu início a uma humilhação que ela mesma exigiu:
- Tínhamos que terminar o nosso namoro naquele dia que você mais uma vez, teve uma crise de desconfiança e insistiu pela quinquagésima vez a senha do meu e-mail. E eu sem paciência fui um tolo e te dei. Um gesto de amor e confiança meio infantil da minha parte, mas depois disso, você enlouqueceu. Passou a ler e-mails antigos que mandei para mulheres do passado que aumentou ainda mais a sua fogueira de desconfiança, criando brasas de ódio. A partir dali Alice, não tínhamos mais chance nenhuma de continuarmos juntos.
Alice tentou justificar e culpá-lo mesmo assim:
- O que tem a ver isso Júlio? Quem não deve não teme. E o que li ali era mais que simples mensagens para ex-putas que você ficava.
Antes de deixá-la estender a conversa para o lado dela, Júlio cortou e puxou a cega para uma realidade que ela nunca conseguiu enxergar pelo visto:
- Alice, pára de falar bobagem e ouça-me com atenção!
O amor suporta muita coisa, mas não a desconfiança doentia.
Você me vigiava a cada segundo, entre ligações e mensagens. Isso sufoca, cansa!
Eu não tinha tempo nem para conversar com um amigo.
Não tinha tempo pra mim em nada. Era só você todo o tempo.
Alice estava inerte e calada perante todas as palavras que Júlio lançava de forma rígida e tranquilizante:
- Me arrependo até hoje Alice de todas as vezes que tentei te fazer enxergar que era apenas você que me interessava naquele tempo. Que as outras eram realmente um passado que não me interessava mais.
Tentei te acalmar inúmeras vezes quando você tinha sua crise de ciúmes extrema e desconfiança. E a cada saliva que gastei tentando provar pra você que te amava, era eu o mais agredido. Era eu e somente eu, o inocente que pagou sozinho o preso do amor perdido pela sua pobre estupidez Alice.
Você me perdeu Alice, pela sua cegueira e visão distorcida do que é amar. E hoje, você faz parte da lista dos e-mails que não me interessam mais.
Alice silenciou por fora e por dentro. Com o corpo trêmulo, deixou escorrer uma gota de lágrima dos olhos que desenhou em seu rosto a palavra “perdão”.
Júlio secou a lágrima, deu um beijo em sua testa, puxou a carteira do bolso e colocou algumas cédulas na mão dela:
- Se cuida Alice e pague a minha conta. Odeio ver lágrimas de um arrependimento tardio. 


Transporte artificial


Dei sinal e o ônibus parou no ponto deserto.
Subi com minhas calças rasgadas e meu casaco de general. Educadamente como de costume, dei um boa noite ao motorista e ao passar na borboleta, dei um ao cobrador.
O ônibus não estava cheio e me sentei numa das cadeiras próxima à porta dos fundos, quando de repente fui abordado por um rapaz claro de bermuda escura e camisa verde: 
- O Senhor pediu pra te dizer que você é uma pessoa boa!

Encarei sua face, enquanto dava um aperto de mão e ele continuou sua fala:
- Deus esta me dizendo que não é para você ir ao encontro de hoje. Existem pessoas más que vão te matar!
Nesse momento olhei seriamente em seus olhos e o encarei. 
Notei que seguidas vezes esse rapaz mexia onde havia um certo volume na cintura e ele continuou sua palestra divina:

- Você sabe do que estou falando né? Não vá ao encontro! Eles querem te matar. 
Ao ouvir novamente a palavra morte, dirigi uma breve palavra ao rapaz:

- Beleza man! Já deu seu recado, pode voltar e sentar no seu lugar. 
O rapaz ficou em pé parado ao lado da cadeira que eu estava sem saber o que fazer com a minha frase dita e começou os seus devaneios:

- Não vá ao encontro! Você e eu somos iguais. Somos arianos! Você não é daqui. Você é um norueguês. 
Após ouvir isso, percebi sua adrenalina e agitação promovidas por algo estimulante. Algo que costumo chamar de “lixo químico”. 
O rapaz continuava falando sem parar e mexendo no volume na sua cintura. Percebi que estava próximo ao meu ponto, levantei-me de surpresa diante dele e ficamos cara a cara. 
Talvez ele tenha achado que eu fosse realmente igual a ele pelo fato de estar vestindo uma calça rasgada, mas agora estava de pé e não me sacudia como ele durante o breve trajeto do ônibus.

Ele estava alterado e não conseguia parar quieto, nem calar a porra da boca:
- Eu e você somos arianos. Nossa raça é grandiosa. Devemos continuar o que Hitler começou.
Já sem saco pra ouvir tanta bosta que saía da boca daquele pobre infeliz que no mínino deveria ter cheirado meio quilo de pó, falei reto e seco:
- Brother! Hitler fez a escolha dele e pagou o preço. Eu sou brasileiro, nordestino e consequentemente miscigenado. E outra coisa! Sabe por que não somos iguais, porque assim como Deus me ama, eu me amo e jamais usarei um lixo químico narina adentro para me sentir feliz.
Me dirigi até a porta para descer no ponto, enquanto o rapaz estava me encarando, só que dessa vez permanecia mudo. E antes de descer disse mais uma coisa pra ele:
- Brother, Deus esta me pedindo pra dizer pra você acordar pra vida. Saía dessa paranóia promovido pelo lixo do pó mágico.
Desci e ele continuou de pé paralisado, no conflito das idéias distorcidas pela cocaína no teu cérebro, contra as minhas palavras sinceras e repletas de boas intenções. 


O detetive e o amante


Achando que ninguém ligaria, Mateus saltou do sofá surpreso ao ouvir o celular tocando sobre a estante do computador. Não tinha nem se quer dez minutos que o site feito por ele estava no ar e já conseguia o seu primeiro cliente.
Mateus tinha 32 anos, era formado em informática e sempre foi muito inquieto, atento, antenado e esperto. Ele estava desempregado a três meses, gozando os dias torrando seu seguro desemprego.
Nesse tempo com tempo livre, ele analisou tudo que acontecia com a sociedade e com o mundo em si.
Observou como a tecnologia avançava sem chances de alcance e percebeu o grande lance da sua vida nas redes sociais. Todos os seres estão conectados nessas grandes redes massivas de gente virtual, que tem realmente uma vida real.
Era fácil saber onde as pessoas estavam fisicamente, pois elas mesmas postavam fotos que chegavam às redes com a mesma velocidade que foi tirada.
Pessoas divulgavam com antecedência para onde iam e com quem iriam.
Mateus percebeu que estava diante do seu império, da sua fábrica de dinheiro fácil, mas tinha que saber definir bem detalhadamente em que ramo atuar usando essa ferramenta tecnológica. Percebeu que em suas rodas de amigos, colegas e conhecidos, o papo sempre girava em torno de namoro, ficadas e traições. Era o assunto clichê em toda a parte e foi aí que ele começou a se divertir e muito.
Mateus passou quinze dias pesquisando sobre o trabalho dos detetives particulares, sobre a forma deles agirem, os materiais utilizados e sobre os casos mais comuns da traição. Com todas as informações adquiridas, ele juntou e preparou seu próprio acervo mesclando com uma pitada de risco e ousadia.
Ele tinha nas mãos tudo o que precisava, só gastou grana comprando um chip para usar um número desconhecido e enchendo o tanque de gasolina do seu carro.
Com menos de dez minutos do seu site de detetive particular rolando na web, ele já estava atendendo seu primeiro cliente.
Por telefone mesmo Mateus estabeleceu os valores e colheu todos os dados necessários para vigiar a vida da Vanessa, esposa suspeita do David, que por e-mail enviou suas fotos ao novo detetive, que se encantou com a beleza daquela morena de olhos verdes.
Sem perder tempo, Mateus a adicionou na sua lista de amigos da rede e dali mesmo começou, entre conversas virtuais a preparar o terreno para o trabalho.
Com apenas quatro dias perseguindo a Vanessa, Mateus finalizou os trabalhos e recebeu a quantia de R$ 1.200,00 em sua nova conta bancária, enviando para o e-mail do David o vídeo da transa da sua mulher com o tal amante.
Sua agilidade para solucionar os casos, fez com que seu trabalho fosse massivamente procurado.
Mateus fechava o mês com cerca de R$ 18.000,00 no banco. Eram cerca de quinze relacionamentos desfeitos por mês. Ele nem acreditava quando ia tirar seu saldo. Nem acreditava que passou anos estudando e tinha em suas mãos uma profissão muito prazerosa e lucrativa.
Assim sua vida seguia, entre chifres, grana e gemidos, Mateus sobreviveu por um ano e seis meses, até o dia da ligação do Alberto.
Seguindo o mesmo padrão desde o primeiro caso, Mateus fechou negócio de cara com o seu último cliente ao ver as fotos da sua bela esposa. Morena clara, cabelos com mechas loiras, uma boca de tirar o fôlego e um corpo escultural. Essa era a Márcia, a perfeição em forma de mulher.
Como de praxe, o respeitado detetive começou sua vigília pela internet, adicionou a suspeita e começou a puxar papo:
- Oi! Obrigado por aceitar minha solicitação.
Márcia respondeu logo em seguida:
- Por nada querido. Seja bem vindo!
E a conversa seguiu por alguns minutos com a velha lista de perguntas: idade, profissão, papos bestas, até se despedirem.
Antes de dormir Mateus entrou e foi verificar se a Márcia havia deixado alguma brecha para que ele pudesse se aproximar pessoalmente dela e como sempre ele achou a deixa.
Márcia havia postado em um dos comentários das suas amigas que estaria logo pela manhã no Ultrabar & Cia sozinha.
Pela manhã o Mateus já estava lá, tomando um chopp de leve esperando a suspeita chegar. Após alguns minutos de espera ela chega, iluminada pela própria beleza.
Com um vestido preto e curto, Márcia exibia o porquê das suspeitas do seu marido. A mulher tinha um belo par de pernas e uma bunda que não se define em palavras. Sentou-se duas mesas de distância dele e pediu uma “roska” de morango.
Era excitante ver aqueles lábios sugando o drinque pelo canudo, mas Mateus lembrou que estava ali a trabalho e teve que parar com o voyeurismo e ir na direção dela:
- Desculpa incomodá-la, mas você não é a Márcia?
Mateus sempre usava o velho papo de João sem braço e sempre dava certo.
Meio surpresa com a abordagem, ela afirmou:
- Sou eu sim! Quem é você?
Já era Márcia. Caiu na rede é sereia. Então Mateus se apresentou:
- Sou o Fábio. Conversamos ontem pela internet lembra?
Mais surpresa ainda ela ficou:
- Hum! Lembro sim. Que coincidência nos encontrarmos aqui.
Mateus era um robô e já sabia tudo o que tinha que fazer:
- Ta sozinha? Posso sentar aqui e terminar meu chopp conversando um pouco com você?
Educadamente ela disse:
- Lógico! Senta aí, por favor!
Tudo nos conformes. Agora era só deixar a sabedoria tomar conta e deixar o álcool correr nas veias da Márcia.
Chopp termina e mais “roskas” vem e a perfeição na forma feminina começa a ficar facinha facinha.
Mateus que ali era o Fábio começa com papos mais ardentes para levar a bela ao caminho que ele deseja. Márcia se esforça para tentar sair do assunto, mas devido aos copos vazios sobre a mesa, já dava pra perceber que ela estava molinha molinha e foi questão de minutos para o sábio detetive pedir a conta e sair do Ultrabar & Cia na companhia daquela nave.
Mateus antes mesmo de entrar no carro, já estava sugando a língua da Márcia ali mesmo na rua. Ela já era dele e queria mais que beijos e simples amassos sobre as roupas. Ela pedia por pele, corpo, suor e calor.
Márcia era um vulcão em erupção de prazer e vontade. Mateus sem esperar mais arrastou o carro em direção a casa já programada. Chegando lá, Mateus só precisou fazer uma ligação para acionar a câmera que já estava posicionada próxima à janela do quarto para fazer a gravação do vídeo que incriminaria a chapada e bela Márcia, que já estava tirando o vestido preto e se jogando na cama.
Trabalho finalizado, mais uma suspeita incriminada e satisfeita pelo serviço.
No outro dia Mateus envia a transa dele com a mulher do seu cliente, que chora por ter sido traído, mas deposita os mil e duzentos conforme o combinado.
Como sempre após alguns dias depois da separação todas as suspeitas procuravam o Mateus para mais uma transa de consolo e não foi diferente com a Márcia. Só que o nosso esperto detetive esqueceu de acompanhar a evolução do mundo e não fez pesquisas sobre o assunto traição e foi justamente aí que ele perdeu, pois tem corno pra tudo e o Alberto era um daqueles que gostava de mostrar que era mesmo um e exibia o vídeo da transa da sua ex-mulher com o tal amante com seus amigos.
Numa dessas sessões de exibição, outro corno que via ao vídeo gritou:
- Foi esse mesmo filha da puta que comeu minha mulher!
Foi uma questão de tempo para todos os traídos perceberem que eles pagaram ao detetive para comer suas mulheres. E num certo dia enquanto outra suspeita gemia alto, Mateus era alvejado por um tiro certeiro de doze na lateral do pescoço e morreu em pleno horário de serviço, gozando no ato.