Dei sinal e o ônibus parou no ponto deserto.
Subi com minhas calças rasgadas e meu casaco de general.
Educadamente como de costume, dei um boa noite ao motorista e ao passar na
borboleta, dei um ao cobrador.
O ônibus não estava cheio e me sentei numa das cadeiras
próxima à porta dos fundos, quando de repente fui abordado por um rapaz claro
de bermuda escura e camisa verde:
- O Senhor pediu pra te dizer que você é uma pessoa boa!
Encarei sua face, enquanto dava um aperto de mão e ele
continuou sua fala:
- Deus esta me dizendo que não é para você ir ao encontro de
hoje. Existem pessoas más que vão te matar!
Nesse momento olhei seriamente em seus olhos e o encarei.
Notei que seguidas vezes esse rapaz mexia onde havia um certo volume na cintura
e ele continuou sua palestra divina:
- Você sabe do que estou falando né? Não vá ao encontro!
Eles querem te matar.
Ao ouvir novamente a palavra morte, dirigi uma breve palavra ao rapaz:
- Beleza man! Já deu seu recado, pode voltar e sentar no seu
lugar.
O rapaz ficou em pé parado ao lado da cadeira que eu estava sem saber o que
fazer com a minha frase dita e começou os seus devaneios:
- Não vá ao encontro! Você e eu somos iguais. Somos arianos!
Você não é daqui. Você é um norueguês.
Após ouvir isso, percebi sua adrenalina e agitação promovidas por algo
estimulante. Algo que costumo chamar de “lixo químico”.
O rapaz continuava falando sem parar e mexendo no volume na sua cintura.
Percebi que estava próximo ao meu ponto, levantei-me de surpresa diante dele e
ficamos cara a cara.
Talvez ele tenha achado que eu fosse realmente igual a ele pelo fato de estar
vestindo uma calça rasgada, mas agora estava de pé e não me sacudia como ele
durante o breve trajeto do ônibus.
Ele estava alterado e não conseguia parar quieto, nem calar
a porra da boca:
- Eu e você somos arianos. Nossa raça é grandiosa. Devemos
continuar o que Hitler começou.
Já sem saco pra ouvir tanta bosta que saía da boca daquele
pobre infeliz que no mínino deveria ter cheirado meio quilo de pó, falei reto e
seco:
- Brother! Hitler fez a escolha dele e pagou o preço. Eu sou
brasileiro, nordestino e consequentemente miscigenado. E outra coisa! Sabe por
que não somos iguais, porque assim como Deus me ama, eu me amo e jamais usarei
um lixo químico narina adentro para me sentir feliz.
Me dirigi até a porta para descer no ponto, enquanto o rapaz
estava me encarando, só que dessa vez permanecia mudo. E antes de descer disse
mais uma coisa pra ele:
- Brother, Deus esta me pedindo pra dizer pra você acordar
pra vida. Saía dessa paranóia promovido pelo lixo do pó mágico.
Desci e ele continuou de pé paralisado, no conflito das idéias
distorcidas pela cocaína no teu cérebro, contra as minhas palavras sinceras e
repletas de boas intenções.
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