segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Transporte artificial


Dei sinal e o ônibus parou no ponto deserto.
Subi com minhas calças rasgadas e meu casaco de general. Educadamente como de costume, dei um boa noite ao motorista e ao passar na borboleta, dei um ao cobrador.
O ônibus não estava cheio e me sentei numa das cadeiras próxima à porta dos fundos, quando de repente fui abordado por um rapaz claro de bermuda escura e camisa verde: 
- O Senhor pediu pra te dizer que você é uma pessoa boa!

Encarei sua face, enquanto dava um aperto de mão e ele continuou sua fala:
- Deus esta me dizendo que não é para você ir ao encontro de hoje. Existem pessoas más que vão te matar!
Nesse momento olhei seriamente em seus olhos e o encarei. 
Notei que seguidas vezes esse rapaz mexia onde havia um certo volume na cintura e ele continuou sua palestra divina:

- Você sabe do que estou falando né? Não vá ao encontro! Eles querem te matar. 
Ao ouvir novamente a palavra morte, dirigi uma breve palavra ao rapaz:

- Beleza man! Já deu seu recado, pode voltar e sentar no seu lugar. 
O rapaz ficou em pé parado ao lado da cadeira que eu estava sem saber o que fazer com a minha frase dita e começou os seus devaneios:

- Não vá ao encontro! Você e eu somos iguais. Somos arianos! Você não é daqui. Você é um norueguês. 
Após ouvir isso, percebi sua adrenalina e agitação promovidas por algo estimulante. Algo que costumo chamar de “lixo químico”. 
O rapaz continuava falando sem parar e mexendo no volume na sua cintura. Percebi que estava próximo ao meu ponto, levantei-me de surpresa diante dele e ficamos cara a cara. 
Talvez ele tenha achado que eu fosse realmente igual a ele pelo fato de estar vestindo uma calça rasgada, mas agora estava de pé e não me sacudia como ele durante o breve trajeto do ônibus.

Ele estava alterado e não conseguia parar quieto, nem calar a porra da boca:
- Eu e você somos arianos. Nossa raça é grandiosa. Devemos continuar o que Hitler começou.
Já sem saco pra ouvir tanta bosta que saía da boca daquele pobre infeliz que no mínino deveria ter cheirado meio quilo de pó, falei reto e seco:
- Brother! Hitler fez a escolha dele e pagou o preço. Eu sou brasileiro, nordestino e consequentemente miscigenado. E outra coisa! Sabe por que não somos iguais, porque assim como Deus me ama, eu me amo e jamais usarei um lixo químico narina adentro para me sentir feliz.
Me dirigi até a porta para descer no ponto, enquanto o rapaz estava me encarando, só que dessa vez permanecia mudo. E antes de descer disse mais uma coisa pra ele:
- Brother, Deus esta me pedindo pra dizer pra você acordar pra vida. Saía dessa paranóia promovido pelo lixo do pó mágico.
Desci e ele continuou de pé paralisado, no conflito das idéias distorcidas pela cocaína no teu cérebro, contra as minhas palavras sinceras e repletas de boas intenções. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário