Vivia absolutamente em seu mundo de objetos achados, abandonados, desprezados.
Cultivava assim fragmentos de um passado de um ser qualquer, qualquer ser, alguém que se foi.
Sem ninguém para visitá-lo, para conhecer sua morada, sua modesta casa na esquina da encruzilhada. Casa de telhas velhas, de paredes desbotadas. Uma casa antiga, repleta de antiguidades.
Era o ser louco, o mendigo com morada. O motivo das piadas do boteco próximo ao lar:
“Lá vem o doido com sua sacola cheia de nada!”
Centenas de milhares de seres hipócritas passavam o dia no tribunal de rua, julgando e menosprezando o senhor simples, barba branca humilde, olhar sem ambições, um sorriso de ouro e de sentimentos atemporal por coisas descartadas.
Domingo de sol, boteco lotado, início de uma semana regada por dois feriados. Cerveja gelada, futebol na TV e o senhor de barba branca humilde, resolve falecer no meio da encruzilhada, apontando para porta de casa.
Como se nada fosse tão importante, para desobstruir o trânsito, tiraram o entulho e levaram para sua morada.
Um choque de sutileza e lembranças de um esquecido passado surpreende os carregadores do corpo.
A casa antiga, de paredes desbotadas, cultivava em sua sala um jardim de recordações, boas e ruins de cada ser daquele bairro.
O guarda-roupa de uma mãe que se fora, fotos do irmão que mora distante e não se vê há anos, os ursinhos da filha assassinada, bilhete e jóias da ex-mulher que o trocará.
Coisas insignificantes jogadas fora para esquecer ou fazer desaparecer o passado e as lembranças que nos machucam.
Como se fosse algo tão simples assim, deletar o passado.
Esse velho ressuscita a alguns anos dentro de cada um de nós.
Com uma bela criança no colo, que com uma simples pergunta traz junto uma sacola repleta de objetos e uma sala com um jardim de recordações, boas ou ruins.
“Vô! Como o senhor conheceu a vovó?”
Muito bonito, meu irmão!
ResponderExcluirVocê é, sem dúvidas, um grande talento!
Forte abraço!